Para o Ministério Público, casal teria tentado furar a fila do Cadastro Único Informatizado de Adoção (CUIDA) ao se inscrever no programa de família acolhedora, o que permitiu ter acesso privilegiado às crianças abrigadas e formar vínculos com a menina que haviam escolhido, mas que já estava em processo de adoção por uma família regularmente cadastrada.
A 3ª Câmara de Direito Civil do Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC) acolheu o entendimento do MPSC e votou por unanimidade contra a concessão do habeas corpus.
O julgamento ocorreu nesta terça-feira(23), em sessão por videoconferência, devido às medidas de enfrentamento à pandemia de covid-19.
Esta já é a segunda decisão de segundo grau, nesse mesmo caso, favorável à tese do MPSC de que o casal não poderia se aproveitar de sua situação como família acolhedora para criar laços de afinidade com a criança que pretende adotar e, assim, usar de má-fé a exceção prevista no artigo 50, parágrafo 13, do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) que permite a adoção fora do CUIDA e do Sistema Nacional de Adoção. Em dezembro, o casal havia tentado reaver a guarda provisória da criança por meio de uma liminar, que lhes foi negada, também atendendo ao MPSC na ação de adoção que ajuizou para adotar a menina.
Para a Procuradora de Justiça, ficou claro que o casal quis aproveitar uma lei criada para a proteção da criança para atender aos próprios interesses pessoais e não para garantir os direitos da menina. “Esta é a questão: a proteção das crianças está fundada no cumprimento das leis que regem a adoção. As regras podem ser mitigadas, sim, em circunstância excepcionalíssima, nas não para acobertar quem conscientemente descumpre as regras, e sempre em benefício da criança”, evidenciou Eliana Volcato Nunes.
Família acolhedora não pode pretender adoção
O casal não estava cadastrado no CUIDA e declarou que não pretendia adotar um filho quando se inscreveu no programa. Essa é uma condição fundamental para se candidatar a ser uma família acolhedora, pois o objetivo do acolhimento é o de possibilitar às crianças que estão em processo de adoção outras formas de cuidados, em ambiente familiar, fora das casas-lares, para que a experiência sirva de transição na reintegração à família natural ou para o encaminhamento a uma família adotiva.
Com a chegada da pandemia de covid-19 e as medidas restritivas e de distanciamento social decretadas pelo Estado e pelo Município, o casal obteve a guarda provisória da menina, com o fim exclusivo de permitir que o marido e a mulher a levassem para morar com eles em um ambiente mais seguro para a saúde da criança. Em dezembro eles ingressaram com a ação judicial pedindo a adoção fora do CUIDA.
Nessa época, a criança já estava em processo de adoção por uma família legitimamente cadastrada no CUIDA, inclusive passando pelo processo de adaptação para a nova casa que deve ser o seu lar definitivo.
Esse fato também foi destacado pelo Ministério Público, e desconsiderá-lo seria uma forma de desrespeitar um conjunto de regras desenvolvidas para aperfeiçoar o sistema de adoção e garantir os direitos das crianças e dos pais que buscam realizar o sonho de ter filhos por meio da lei, conforme sustentou a Procuradora de Justiça. “Cada vez que uma decisão, em um processo qualquer, quebra a força da regra legal que estrutura a adoção e que foi fruto de uma longa luta pela conscientização da necessidade de se proteger as crianças, não os adultos envolvidos no processo, estamos permitindo a desmoralização do cadastro e o desalento dos que cumprem a lei”, enfatizou Volcato Nunes.
O relator do processo, Desembargador Saul Steil, votou pela negação do habeas corpus, entendendo, como o Ministério Público, que, se a criança fosse mantida sob os cuidados do casal, em situação irregular e de incerteza jurídica, tal decisão não atenderia aos melhores interesses da menina.
Por se tratar de uma decisão em ação judicial de adoção na área da família, o processo segue em segredo de justiça e as identidades dos envolvidos não são publicadas.